Eu, o gênio e a musa

Eu, o gênio e a musa

Tem gente que não acredita, mas o que vou contar é fato oriundo da mais pura e cristalina verdade. Aconteceu há quase seis anos. Eu estava passando o final de semana no sítio de um amigo sob o pretexto de pescar em um riacho próximo. Em uma manhã de domingo me levantei bem cedo, disposto a fazer uma caminhada pela tpor trilhas ainda úmidas e orvalhadas pela madrugada. Este sempre foi um emocionante e prazeroso sonho de consumo. E lá ia eu andando distraidamente, pensando em como é bom não se pensar em nada quando de repente, não mais que de repente, tropeço em alguma coisa. Pensei que no meio do caminho tinha uma pedra ou a saliência da raiz de de alguma árvore. Mas não era nada comum. Tratava-se de um estranho e envelhecido objeto metálico, sujo de terra. Esfreguei aquela peça em forma de taça pretendendo apenas limpá-lo e, quem sabe, identificar o que era. Nisso, ele apareceu em carne e osso. Melhor dizendo, em nuvem luminosa e gasosa. Era realmente ele, nada mais nada menos do que o gênio da lâmpada.
No momento lamentei não estar com uma máquina fotográfica ou um gravador de áudio. De tão inacreditável, eu precisava provar estar vivendo aquela inusitada aparição a meus amigos incréus. Sem muitas delongas o gênio – que anunciou chamar-se Eugênio da Lampadócia – disse que eu tinha direito a fazer um pedido. Ainda indaguei se não seriam três, mas Eugênio ratificou que atendia apenas a um pedido por beneficiário, já que era gênio iniciante, com apenas 480 anos de existência. Ouro? Euros? Mansões? Pensava eu no que pedir quando o gênio estraga prazeres alertou que não atendia pedidos relacionados a bens materiais. Que coisa! Demoro a encontrar uma lâmpada mágica e quando dou essa sorte, a contrapartida é o azar de ser um gênio de casta inferior. Essa, não!
Refeito do susto e da decepção, vendo cair pelo abismo meu caminhão de ouro e baús repletos de dólares e euros, perguntei então o que eu poderia pedir que não fosse um bem material? Eugênio sorriu sarcasticamente e pediu que eu usasse meus neurônios sem pudor. Ou seja, sem ouro e euros e ainda, por cima, eu estava sendo humilhado por um gênio de terceira classe. Mas eu não iria, de maneira alguma, dar o braço a torcer. Até porque eu estava no meio rural, a quilômetros de uma clinica ortopédica. Liberei então todos meus dezesseis neurônios e concentrei-me, pensando no bem não material a pedir. Cheguei a pensar em um personal anjo da guarda , duendes e sereias. Sereia, não! Morando em apartamento, ela não teria como frescaria o rabo. Ou a cauda, falando mais elegantemente. Foi aí que me veio a ideia. Como não havia pensado nisso antes. Tão óbvio para um aprendiz de escritor…
Decido, comuniquei ao gênio Eugênio que eu queria uma musa. E complementei que queria uma musa de olhos verdes, que nunca fosse repetitiva, que tivesse humor, que me incentivasse nos momentos certos e me embalasse em seus imaginários braços nos momentos incertos. Ah, tinha mais um detalhe: que ela fosse minha amiga, confidente, amante e tudo mais.
Não é que Eugênio deu no pé antes mesmo de eu terminar de descrever a musa de meus sonhos? Fiquei tresloucado de raiva com aquele incidente provocado por um gênio de categoria inferior e, ainda por cima, que encerra sua conexão antes de terminar a tarefa e passar para que o supervisor pudesse avaliar sua participação. Se houvesse um tribunal de apelação contra gênios como Eugênio eu iria me queixar. Tão pouco sabia da existência de alguma Defensoria Pública disposta a aceitar meu caso e a lutar por mim.
Desiludido, atirei a lâmpada já sem mágica em um matagal e continuei minha caminhada pelo pasto orvalhado. Troquei os suspiros de decepção, o tremor nos lábios provocados pelo ódio que eu sentia, troquei tudos os sentimentos negativo que queriam se apossar de mim pela opção de assoviar, ainda que um tanto desafinado, trechos d a música “Jesus, alegria dos homens” de Bach – http://www.youtube.com/watch?v=KlTm-xG3pO0
Tudo isso se deu conforme aqui relatei e acredite se quiser, se tiver fé. Aconteceu há cerca de seis anos e ainda lembro-me do retorno, naquela manhã de domingo, à casa rústica do sítio. Recordo-me ainda do café com leite fumegante, saindo do fogão a lenha e do sabor roceiro das broas de milho. Decidi – já que tenho cara de louco – a não contar o acontecido a ninguém. Iriam ter, então, certeza de minha loucura. Prudentemente, guardei em mim o episódio mágico. Mas hoje resolvi abrir mão desse segredo, confiando em sua discreção.
Não é que há seis anos, coincidentemente ou não, passei a me sentir mais disposto, ousei mais, encontrei em mim mesmo a força necessária para não desanimar em momentos aflitivos e consegui sempre achar uma saída. Escrevi e publiquei uns livros, comecei e mantenho este blog e passei a me sentir bem melhor ouvindo as músicas que gosto, lendo os livros que quero e, acima de tudo, libertei-me da dependência de gênios de lâmpadas mágicas para me sentir mais feliz e poder tocar melhor minha vida. Agora, eu faço minhas mágicas. Eu mesmo crio os mecanismos lúdicos e espirituais necessários à realização de meus sonhos e desejos.
Por tudo isso, aqui e agora, grito ao mundo: obrigado por tudo, minha musa de olhos verdes!