Da difícil arte de contar piadas

Da difícil arte de contar piadas

Sim, saber contar piadas é um dom, uma arte que promove um contínuo exercício de memória. Quantas vezes alguém veio me contar uma piada e lá pelas tantas comunica que não está se lembrando direito do final. Nunca lamento porque contadores de piada que não lembram do final geralmente estão contando piadas que já conheço. E isso não tem a menor graça. Portanto, ter boa memória é quesito básico para os que se aventuram a contar piadas. Agora, o contador de piadas adora pessoas que ouvem uma piada, riem muito, mas no dia seguinte já não se lembram. E toda vez que você conta a mesma piada para uma dessas pessoas, ela ri do mesmo jeito. E isso é muito engraçado e faz você se sentir como o melhor contador de piadas do mundo.
Vem cá, você quer aprender a contar piadas? Então vou logo passando uma dica: o verdadeiro e nato contador de piadas jamais precisa de dicas para contar piadas. Ele já nasce sabendo. O contador de piadas nato, ao nascer, ao invés de emitir seu primeiro choro, dá um disfarçado risinho. Contar piadas é arte não se aprende com dicas. Para quem tem o jeitão para contar piadas, a prática atenta é o caminho que leva à perfeição. Agora uma dica muito importante: evite contar piadas de português, fanhos e anão, respectivamente para português, fanho e anão. Anão ser que você seja daqueles que não tenha a percepção de que há um lugar certo e pessoas certas para se contar a piada certa, ou certas piadas.
Para contar bem uma piada há que se descobrir todas as nuances da comunicação humorística, identificar a medida exata e o momento certo de usar, com todo o vigor, a adequada carga de expressão corporal e facial que a piada exige ao ser contada ou interpretada. Boa parte das piadas só tem graça se contada dessa maneira, de acordo com o seu timing. Tentei uma vez contar por telefone uma piada dessas a uma amiga e o resultado foi desastroso. Ela não riu e, pior, não entendeu. Sei que ela é morena, mas o avanço da idade a tornou loura. Mas isso não é desculpa por minha falha. Apesar desse momento certo e ambiente certo para se contar piadas, não sei se você já reparou, mas sempre há alguém contando piada em velórios. Um amigo do sobrinho do famoso Freud explicou-me que, em ambientes muito pesados, assim como um ar condicionado é recomendado em dias quentes, o humor tenta compensar o pesar, apesar de tudo.
Por melhor que seja o contador de piadas, ele não provocará riso algum se a piada for fraca, ruim ou descontextualizada. Piada velha também não tem graça. A não ser que, de tão velha, ninguém mais a conheça. É o caso da piada que meu pai contava dizendo que era uma história que o avô dele relatava como um fato acontecido com o avô de meu bisavô. Nessa piada arcaica se falava de um sujeito que morreu de nhoque. Aí se pergunta como alguém pode morrer de nhoque. Comendo muito nhoque? Não. O cara morreu de nhoque porque ia passando por um caminho estreito no meio do mato. Aí, veio uma cobra e “nhoque” na perna dele. Ao final, claro, é imprescindível o gesto que imita o ataque de uma víbora à perna de meu jurássico ancestral.
Um alerta: não há nada mais chato do que um chato contando piadas. É chato o sujeito que vem lhe contar uma piada que você contou para ele na semana passada, o aquele que, ao contar uma piada, tentando averiguar se você não a conhece, já conta o final. O mais chato dos chatos contadores de piada é aquele que, antes mesmo de começar a contá-la, já está rindo. A cada palavra ou frase da piada, ele ri, ri muito. E ao final, só ele ri e riu. E o que dizer do ruim em circunstâncias totalmente inadequadas. Por exemplo, quando você está em um auditório, prestando atenção em uma palestra? Cochicha, baba e cospe em seu ouvido, você quase perdendo a paciência e, ao final, ele segurando o riso e você segurando a vontade de mandá-lo para a terra dos chatos contadores de piada.
Falando em piada, não posso deixar de comentar sobre o meu amigo dos tempos de faculdade. Vou chamá-lo de Zé de Minas, porque o nome dele é José e ele é do Norte de Minas. O Zé só sabia contar uma piada, a do cão Totó e de seu dono náufrago. Aliás, só o Zé sabia contar essa piada com humor. Era como se ele houvesse descoberto o ponto exato de contar aquela piada. Sendo assim, quando saíamos para os bares e noitadas – e saíamos muito – quando chegava o momento de se contar piadas, reservava-se um espaço para o Zé contar a piada, do cão Totó e de seu dono náufrago. E ríamos muito, mesmo sabendo a piada, toda a vez que o Zé a contava. Ficou curioso? Pois vou tentar contar a piada que o Zé contava…
Um navio foi a pique e apenas uma pessoa conseguiu chegara uma ilha minúscula e deserta. Para alegria do náufrago, logo após ele viu chegar, nadando caninamente, o seu animal de estimação, o cão Totó. São e salvos, lá estavam o náufrago e seu cachorro. E lá ficaram os dois, felizes à sua maneira de haverem sobrevivido. Uma alegria, claro, que não seria duradoura. Com o passar dos dias e das horas, tanto o náufrago como seu cão Totó, viram a fome aumentando. O homem já sem forças para brincar com seu cão que também já não tinha forças para brincar e apenas latia tristemente, expressando em latidos, cada vez mais fracos, toda sua fome. Até que chegou o dia em que o náufrago se deu conta de que iria morrer se não se alimentasse. A alternativa, claro, foi fazer do Totó de laudo banquete. Aí, quando o náufrago, já de barriga cheia, degusta o último naco de carne e atira o osso ao chão, exclama: “Ah se o Totó estivesse aqui para comer esses ossinhos!”