O Brasil desce a ladeira e vira interjeição

O Brasil desce a ladeira e vira interjeição

Nesses tempos de manifestações válidas e históricas sou remetido a ouvir um antigo sucesso de Moraes Moreira que, alegremente, anunciava um Brasil descendo a ladeira. Apesar que o significado de descer, à primeira vista, indique caída de posições, no caso da letra dessa música falava da alegria da rapaziada descendo de um morro, contagiando os do asfalto com música, batuque no pé e a cadência daqueles que sofrem mas que não perdem a alegria e também a esperança. A música foi tema de encerramento, por um bom tempo, do Jornal Hoje, da Globo, fazendo com que a letra e melodia permaneçam vivas em milhares de pessoas, principalmente para as com mais de 30 anos. E nesses com mais de 30, ao contrário do que uma outra música pregava que, se deve confiar. Na parte inicial da música de Moraes Moreira uma eufórica constatação de um clima festivo e de mudanças da época: “Quem desce do morro/Não morre no asfalto/Lá vem o Brasil descendo a ladeira/Na bola, no samba, na sola, no salto/ Lá vem o Brasil descendo a ladeira.”
O Brasil que desce agora não vem lá do morro, apenas. Há os que descem de seus confortáveis apartamentos, cedendo ao grito de convocação de “vem pra rua!”. Vejo tudo com um sentimento misto de euforia e desconfiança. Que país é este? Que Brasil está mostrando a sua cara – ou escondendo-a atrás de máscaras, como se tudo fosse um Carnaval temporão – nesta transição de outono para o inverno? Que cidadão é esse que só desce do conforto de sua poltrona, ainda que em tempos de insegurança nas ruas, de ensino ainda longe do ideal e de uma saúde que não tem conseguido avançar no ritmo do crescimento populacional, quando convocado? Tomara que quando todos descem para as ruas suba, proporcionalmente, o nível de cidadania consciente, serena e contextualizada. Tomara, meu Deus, tomara!
Pego um hipotético amigo, concebido a partir da imaginativa, mas sólida, aglutinação de tantos outros amigos e conhecidos que, via rede social e mensagens internéticas, encaminham mensagens tão díspares, muitas delas alarmantes e sem fundamento histórico algum. Esse amigo imaginário me disse que agora ele se tornou participativo, sente-se um cidadão de primeira classe, não querendo perder o bonde da história, contrastando com o ontem no qual apenas caminha por praças e shoppings em passadas lerdas e a esmo ao ver vitrines. Ele quer um novo Brasil, sem problemas antigos, com mais justiça social e melhor uso do dinheiro público. É contra, principalmente, os corruptos. Percebo que a ideia dele de corrupção é como se esse cancro fosse recente, como se as grandes roubalheiras tivessem ocorrido apenas da última década para cá. Perguntei se os que subtraíram antes deveriam ser também julgados, punidos e ele disse que punindo os culpados de agora já estava bom demais. Quase respondi, mas vi que não valia a pena. Quase afirmei que ele não era contra a corrupção: ele estava exercendo uma raiva de agora, encarando esse novo Brasil pelo olhar ideológico e partidário. Afinal, se perguntasse a ele quantas vezes compareceu a uma sessão de planejamento participativo de seu município ele iria dizer sabe o que é isso e que nunca antes havia sido convocado – via rede social – para isso. Ou seja, se não houvesse tal convocação ele continuaria antenado apenas em games e novelas.
Na esteira dessa contextualização conto um fato verídico. Uma “amiga minha” esposa de um militar, enviou-me uma mensagem falando da coragem do ex presidente Figueiredo que, ao receber possível convite de João Havelange para o Brasil ser sede de uma Copa do Mundo de Futebol, teria mandado o então presidente da FIFA enfiar a Copa não sei onde. Aí eu, via e-mail, perguntei a ela: “Então, como o Figueiredo, corajosamente, descartou a Copa, todos os problemas de saúde, educação, segurança e melhor distribuição de riqueza e injustiças sociais foram resolvidos àquela época.” Até o momento ela não respondeu. Aprendi a não dar valor a nenhuma manifestação de ideias descontextualizadas, sem o devido embasanento histórico, os devidos antecedentes… Sou fervorosamente contra a corrupção, venha de onde vier, praticada por quem quer que seja, independente de ideologia, partido, credo ou raça. Em termos de punição, todos os corruptos são iguais perante a lei.
Retomo a música e tento me entusiasmar com um Brasil que desce, com novos propósitos, a ladeira, que vai às ruas. Sem abrir mão de minha consciência cidadã, de minha vivência de carências, de minha trajetória de sonhos, procuro ser otimista. Garimpo no baú das lembranças um trecho da letra de Martin Cererê: “Vem cá Brasil/Deixa eu ler a sua mão menino/Que grande destino/Reservaram pra você …” Acredito muito nisso, que este país será bem maior do que suas dimensões territoriais. De que a partir de agora cada cidadão tome as rédeas de seu destino, de sua vida, agindo por contra própria, sem esperar por convocações para sair às ruas, para se fazer presente e exercer a necessária participação na vida política e social do seu país. Afinal, o dinheiro público é do contribuinte, é ele que paga os altos salários e proporciona todas as vantagens de senadores, deputados, prefeitos, vereadores, juízes e os servidores privilegiados desses poderes. O chavão de que é preciso, para mudar um país, começar as mudanças por você mesmo ganha um valor novo agora. Que bom será quando este país não for mensurado pelo número de habitantes, mas de cidadãos!
Volto a ouvir a música Martin Cererê – http://letras.mus.br/ze-catimba-brasil-ritmo-67/1234290/ – e me embalo em uma parte que diz:”…Tinham encontro marcado/Pra fazer uma nação/E o Brasil cresceu tanto/Que virou interjeição…” Coloco muitas interrogações, sou um ser inquieto e questionativo. Só sei viver assim. Mas também sei expressar interjeições. E quero poder fazer isso, a partir de agora, cada vez mais, e mais e mais…

Ora direis ouvir Anísio

Ora direis ouvir Anísio

Às vezes eu visito determinadas músicas em resposta ao meu desejo momentâneo, à minha necessidade de momento e este é um exercício consciente de busca, com todas os possibilidades de prazerosos encontros. No entanto, acontece também o contrário, quando uma música que me visita de surpresa, ganhando encantos especiais por ter brotado no terreno do inesperado, requentada pelos condimentos das lembranças quase apagadas. E quando isso ocorre, quão saborosa se torna essa música que se apresentou em um passe mágica, como um amigo que você não vê há tempos bate à sua porta. Foi isso justamente que aconteceu quando me vi cantarolando Alguém me disse. Sei que a cantora Gal Costa regravou essa música em 1988 e por isso a música costuma ser veiculada em emissoras que dedicam espaço à MPB. Mas a interpretação que me veio à memória foi na voz de Anísio Silva, tornando um marcante sucesso de 1960.
Ninguém me disse, mas pesquisei e soube que Alguém me disse deu a Anísio Silva o destaque de ser o primeiro artista no Brasil a ganhar um Disco de Ouro, já que foram vendidas mais de dois milhões de cópias de sua gravação, deixando eufóricos seus compositores Evaldo Gouveia e Jair Amorim. Não é que, ao contar isso em uma roda de amigos em uma mesa de bar. um deles, com cara de espanto, indagou: “E quem é ou foi Anísio Silva?”. Poderia dizer que foi um baiano que nasceu em uma fazenda que atualmente está no município de Rio de Antônio, e que mudou-se com a família para o interior de São Paulo, onde trabalhou como balconista de farmácia e que, para tentar a carreira artística, passou a morar no Rio de Janeiro a partir de 1945. Diria que no auge do sucesso era conhecido como o Rei do Bolero, apesar de ter gravado guarânias e tantos outros gêneros musicais. Complementaria a informação dizendo que deu início à sua carreira em 1952, mas que só cinco anos após começou a fazer sucesso com músicas como Sonhar contigo.
Para referenciar e dar um toque de historiedade, informaria que Anísio Silva era muito amigo de Juscelino Kubitschek e que, devido a isso, foi convidado a cantar na festa de inauguração de Brasília, em 1960. Não sei, e ninguém me disse, se na ocasião ele cantou a música Alguém me disse, que foi lançada naquele ano. Certamente Juscelino cantarolou essa melodia várias vezes, quem sabe, em alguma delas, de maneira inesperada, como ocorreu comigo nesta semana. Em verdade voz digo que o sucesso não foi por acaso, tanto é que a gravação da música cantada por Anísio Silva foi incluída pelo crítico Ricardo Cravo Albin na coleção “As 100 músicas do século XX”, o que atesta a importância dela. Se ficou saudoso ou curioso quanto à música, há no YouTube um filmete com fotos e recortes de revistas com fotos de Anísio Silva cantando Alguém me disse: http://www.youtube.com/watch?v=rBYYL6vvm4g

Confesso, envergonhado, que não tenho nenhum LP, compacto ou CD de Anísio Silva. Nem original nem pirata. Confesso também que bateu uma alegria simples quando ouvi agora o Alguém me disse. Há passeatas lá fora, há sol nas bancas de revistas e nenhum pássaro ousa cantar quando quero e preciso. Alguém me disse que o Brasil acordou e já não era sem tempo. Afinal, mesmo em berço explêndido, a hibernação secular provoca inúmero efeitos colaterais. Só não sei se, após dormir por tanto tempo, ele lembrou-se de escovar os dentes e lavar o rosto após o o exaltado despertar. Novos tempos vêm por aí, sei bem. Até porque velhos tempos não voltam jamais. O futuro tem essa característica marcante de ser sempre novidade, seja ela bom ou nem tanto. Isso me contagiou. Vontade de fazer minha passeata solitária e solidária, embalado pela voz de Anísio cantando uma música bem simples, mas eficaz em renovar ânimos e inaugurar esperanças novinhas em folha. Sou assim: o que volta ao passado, o que vasculha o presente, sempre de olho no futuro. E, para mim, o Brasil está acordado desde o dia que nasci e que nele me fiz. Sei dos seus passos, percalços, avanços e retrocessos.

Ora direis ouvir Anísio? Não! O momento é de cantar que sou brasileiro, com muito orgulho. No meu caso, orgulho de não banalizar ou vandalizar – verbos muito conjugados atualmente – e de, coerentemente, ser o que não abre mão de uma trajetória de vida. As minhas convicções e gostos são bem meus, principalmente os musicais. Afinal, este é o momento de conhecer o Anísio Silva ou de me mostrar? Digo um viva para o Anísio e, para os que não me conhecem, revelo uma parte de mim, no tocante ao gosto musical e de atenção aos sons. Ouço clássicos e populares. Aprecio Beatles e viola caipira. Meus ouvidos estão sempre atentos ao canto dos pássaros quando estes se dispõem a cantar. Esforço-me para ouvir e entender o gritos das ruas, sem deixar de me encantar com o silêncio dos campos. Ah, mas o melhor mesmo é quando consigo captar o que o inesperado me traz, de surpresa. Por isso vou ouvir de novo – e mais e mais – o Anísio Silva. Quer me acompanhar?

A terapia do bolero de Ravel

A terapia do bolero de Ravel

Pode ser que só funcione para mim. Mesmo assim, sem querer que você corra o risco da automedicação, vou revelar mais um dos meus segredos. Quando me sinto desconstruído, em um beco sem saída, com a sensação de que estou em um navio encalhado em alto mar e a alma repartida em um puzzle de mil peças, sem mãos ou sabedoria para me refazer, é quando recorro-me a uma música específica: Bolero de Ravel. Ouvir esta música provoca em mim efeitos imediatos e contínuos. No nada, vou juntando os meus cacos, meus trapos, me remonto no crescendo da música, atenuando tensões, reforçando entusiasmo. É como se cada instrumento fosse uma diferenciada vitamina ou um determinado e poderoso energético para o espírito, um revigorante para a mente. Das cinzas e do pó, tomo forma, ganho corpo e minha alma se infla qual balão que se eleva aos céus ao final de uma tarde em que o sol teima em não ceder espaço à noite.
Menino de interior, a música chegava a mim só pelo rádio, mesclando modas de viola caipira com dramáticas canções mexicanas, marchinhas de Carnaval e os sucessos que a Rádio Nacional AM transmitia nas vozes de Adelaide Chiozzo, Doris Monteiro, Ivon Cury, Emilinha Borba, Marlene, Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto, Nora Ney, Anysio Silva e tantos outros. Minha ligação com a música começava ali, de maneira comum para uma criança interiorana de Goiás. A novidade veio quando, já rapazinho, vi em uma revista a oferta de uma coleção de clássicos ligeiros. Compra pelos correios, demorada mas concluída com êxito. Naquele tempo eu havia conseguido comprar um toca disco e, apesar do som precário, comecei a ouvir aquelas músicas. A primeira, o Bolero de Ravel, escolha feita certamente por conter a palavra bolero e eu gostava de ouvir os boletos cantados por Gregório Barrios e ou Bienvenido Granda. Mas aquele bolero era diferente, não tinha letra, ninguém cantava. Achei, de início, que o disco estava com problemas, pois quase não não conseguia ouvir os primeiros acordes. No volume máximo, percebi que a música havia começado e ia crescendo, sempre a mesma, variando em instrumentos.
A primeira vez que ouvi o Bolero de Ravel deveria estar triste, desiludido, um cão escondido sob a mesa, assustado com os trovões de alguma tempestade. Foi também a primeira vez que repeti a execução de música exaustivamente. Ouvia querendo ouvir mais e mais, como um vício tomando conta de mim. Ao mesmo tempo, a sensação de eu me alimentava daqueles acordes. Ao final de cada audição eu me sentia melhor, arrebanhando e dando cores a sonhos idos, a projetos perdidos nas esquinas dos dias. Para mim, certas muletas espirituais me amparam eficazmente: alguns poemas, alguns trechos de livros, determinadas paisagens e, principalmente, algumas músicas. Há décadas alguém disse que a lua era o LSD dos poetas. Mas o luar das cidades é ofuscado pelas luzes artificiais e esprimido pelas estruturas de edifícios gigantes, bem diferente do luar lá do sertão. em contrapartida, a tecnologia facilita e agiliza o acesso ao pão do espírito. Com isso posso compor uma farta cesta básica em alguns minutos. Mas para absorver todos os lúdicos ingredientes e saborear como deve ser esse banquete, tenho que cumprir meu ritual de passagem: isolo-me em mim, faço-me de cômodo único e tomo meu solitário lugar na plateia. Lá estamos preparados e atentos: eu mais em alma do que corpo. Assim, atento aos detalhes e à amplidão das possibiliades da música, deixo que o filete inicial, qual água escorrendo de uma minúscula nascente, comece a transformar em um pequeno riacho de ritmadas harmonias e se encorpe em rio caudaloso e, ao final da trajetória, dê alma a meu oceano particular.
Você pode escutar o Bolero de Ravel lendo jornais, fazendo palavras cruzadas e ou preparando canapés. Mas para ouvir – que me desculpem os incautos – é preciso se submeter ao ritual. Sei que não estou só quanto a essa percepção nem quero ser o exclusivo beneficiado pela terapia ritualística do Bolero de Ravel. Há uma imensa e silenciosa legião de usuários dessa terapia. Soube que na praia do Jacaré, em uma praia fluvial da cidade de Cabedelo, na Paraíba, todos os dias, um saxofonista e um violinista saúdam o por do sol tocando o Bolero de Ravel. Não saiu em jornais nem foi mostrado nos noticiários de tevê, mas creio que muitos puseram fim à vida porque desconheciam a terapia do Bolero de Ravel. Não quero bancar o charlatão, afirmar categoricamente que esta música cura erzipela ou combate a insônia e ataque de soluços. A eficácia do bolero é em relação às doenças da alma, aos desarranjos da mente, às angústias do coração.
Composto há 85 anos por Maurice Ravel, o bolero nasceu para ser apenas parte integrante de um balé. Dizem que vem servindo também como excelente apoio didático para se fazer conhecer os instrumentos de uma orquestra. Um popular entre os clássicos, difícil imaginar uma orquestra sinfônica ou filarmônica que não tenha executado ainda o Bolero de Ravel. Até mesmo bandas de rock ou conjuntos musicais de vanguarda renderam-se à mágica deste bolero, sempre com variações e inovações. Esse incentivo implícito à participação criativa talvez seja um fator que leva ao desejo de ser intérprete ou arranjador da música. O Bolero de Ravel parece ser de quem a recria, permite a posse como uma forma mágica de possuir quem a ouve. Ontem, ao ouvir e ver pelo http://www.youtube.com/watch?v=AmEJLoawItU a música na execução da Filarmônica de Munique, percebi que a eternidade e o paraíso se fizeram presentes em mim. O ruim é que, depois disso, fica bem mais sem graça voltar a percorrer as banais estradas do cotidiano.

Coração caído no esquecimento

Coração caído no esquecimento

O tempo passa, sempre avança, arrastando como a enchente de um rio que arrasta fatos e nomes marcantes de um Brasil menino. Esse rio tempo, ao chegar ao mar, deságua esquecimentos, o resíduo dos dias passados. Quantas vezes não nos damos conta de um fato qualquer acontecido há tempos atrás e, ainda que mentalmente, nostalgicamente exclamamos um “parece que foi ontem”? Com o tempo aprendemos a distinguir que o ontem de uma semana é bem diferente do ontem do mês passado ou de décadas atrás. Digo isso devido a uma entrevista ouvida por mim nesta semana. Uma cantora justificava que seu interesse pela música vinha desde os mais tenros anos, ficando em sua memória uma triste música que a mãe dela cantava falando de uma tragédia familiar, a de um filho que perdera a mãe em um incêndio. O entrevistador, certamente da mesma faixa etária da entrevistada, sem também identificar que música seria essa, focou a entrevista no sucesso atual da cantora.
A música que falava na tragédia era “Coração de luto”, música de Vitor Mateus Teixeira – o Teixeirinha – que em 1961 alcançou uma venda superior a um milhão de cópias. Aliás, a música vendeu até hoje, em todo mundo, mais de 25 milhões de cópias. Que sucesso é esse? Há alguma explicação para que uma música que fala de uma mãe que morreu queimada no fogo agrade tanto?
O sucesso foi tanto que, à época, o então agente da gravadora Chantecler em Belém, registrou o fato de que lá o disco chegou a ser vendido no câmbio negro e havia filas para comprá-lo. A gravadora, que não tinha como atender os pedidos que cjegaram de todos os estados, estabeleceu cotas para as lojas, aumentado ainda mais a disputa para ser ter um disco com a música Coração de luto. Concorridas eram também as apresentações de Teixeirinha pelo Brasil. Além de shows em todos os estados brasileiros, em 1973 Teixeirinha foi contratado para fazer 15 apresentações nos Estados Unidos e, dois anos após, fez 18 shows no Canadá, somando-se a isso as inúmeras apresentações em quase todos os países da América do Sul. O sucesso da música chegou também à Europa, sendo que em Portugal Teixeirinha ganhou o troféu “Elefante de Ouro”, pela maior vendagem de discos.
O sucesso de “Coração de Luto” fez com que a história chegasse às telas cinco anos após o lançamento, tornando-se também um êxito de bilheterias. Cita-se que o sucesso do filme foi tanto que, no lançamento, apesar de ser uma semana chuvosa em Porto Alegre, o filme foi visto por mais de 40 mil pessoas. Teixeirinha deixaria de ser apenas cantor e compositor gaúcho, passando a se também ator, roteirista e até a coproduzir seus filmes. Dos 12 que fez, dez deles foi pela sua própria produtora, sendo “A filha de Iemanjá”, de 1981, o último. A estrela de todos os filmes de Teixeirinha foi a sua companheira Mary Terezinha, que acompanhava o artista em suas apresentações, tocando seu acordeon. Hoje, evangélica, não gosta de comentar o tempo de sucesso em que era conhecida como a Teixeirinha de saias.
Sei que no Rio Grande do Sul, a memória de Teixeirinha ainda continua viva. Sei que no Dia de Finados são feitas apresentações musicais no túmulo do artista, um dos mais visitados. Sei que a RBS produziu um especial em 2005, quando dos 20 anos da morte de artista. Mas, ao ouvir uma cantora referir-se ao tema da música sem saber identificar “Coração de luto” e o entrevistador também ignorar o assunto, sou obrigado a pensar no tal esquecimento coletivo e ao relacioná-lo inversamente proporcional ao avanço tecnológico dos meus de comunicação e à sua agilidade. Aumenta o volume de informações e é facilitado o acesso a ela. Mas a impressão que fica é que isso contribui para que, a título de exemplo, uma música e um artista caia no esquecimento.
Vitor Mateus Teixeira continua sendo o Teixeirinha para alguns. Mas a maioria não sabe nada sobre um artista que lançou quase 50 Lps, que tem mais de 700 músicas de sua autoria e um acervo superior a 1200 composições, que deixou 12 filmes com histórias suas. Para os que já ouviram, e para os que nunca passaram pela experiência de ouvir “Coração de luto”, indico um endereço eletrônico para se chegar a uma das gravações da música: http://www.youtube.com/watch?v=dC5R0cLrojQ

O samba doido do Stanislaw

O samba doido do Stanislaw

O humor irônico, refinado, debochado e certeiro partia sempre do Stanislaw. Quem leu o que ele escrevia, contextualizando, deve se considerar um privilegiado. Não se fazem mais cronistas, jornalistas e humoristas como ele, isso não! Nascido Sérgio Markus Rangel Porto, em 11 de janeiro de 1923, foi ser Stanislaw Ponte Preta na vida. E que vida.
O Ponte Preta não tinha nada a ver como o time de Campinas (SP), mas sim com o Serafim Ponte Grande, personagem principal do livro do Osvald de Andrade, dotado de um humor anárquico. Entenda-se isso muito mais como uma homenagem do que fonte de inspiração, uma vez que o humor do Stanislaw foi único, incomparável. Como tudo que é bom, jamais perde a validade. Como não expressar um sorriso maroto no canto dos lábios ao ler algumas de suas frases como: “Basta ler meia página do livro de certos escritores para perceber que eles estão despontando para o anonimato.” Atento, as frases políticas do Stanislaw Ponte Preta parecem ter saído do forno, como esta: “A prosperidade de alguns homens públicos do Brasil é uma prova evidente de que eles vêm lutando pelo progresso do nosso subdesenvolvimento.”
Creio que a abundância de criatividade, a ânsia de fazer um pouco do tudo que poderia fazer foram a razão de sua morte prematura. Sua jornada de trabalho era quase sempre de 15 horas por dia. Morreu aos 45 anos, em 30 de setembro de 1968 e ao se constar que deixou dezenas de livros assinados por Stanislaw Ponte Preta e mais três de como Sérgio Porto; ao se fazer um levantamento de peças de teatro de revista que escreveu, de todo seu trabalho em jornais, revistas e participação em programas de televisão, a impressão que se tem é que ele viveu mais de 70 anos. Para pessoas assim, o dia ter apenas 24 horas é uma injustiça. Era mais difícil escrever no tempo das máquinas de datilografia. O depoimento do Millor Fernandes, um dos seus mais chegados amigos, revela como era árdua sua jornada: “Ele ria, saudável, e continuava recortando, no violento sol da praia, pedaços dos jornais que lia sem parar, aproveitando o tempo . Pois era, como quase todos os humoristas brasileiros, um trabalhador braçal. Sua extraordinária competência ele adquiriu cavoucando uma datilografia 10 horas por dia, 16 anos seguidos.”
Um de seus trabalhos – se é que se pode chamar isso de trabalho – observar as mulheres mais bonitas e elegendo as “Certinhas do Lalau”, divulgando-as em sua página de jornal. Ser uma certinha era para as mulheres da época, principalmente para as vedetes, uma divulgação extraordinária, uma escada rolante para o sucesso. Além disso tudo, de ser apresentador, radialista, escritor, jornalista, humorista, teatrólogo etc., Stanislaw Ponte Preta ainda compunha. Foi por causa da sua mais famosa música que escrevo esta crônica. Há dias que, vira e mexe, sem mais nem menos, estou mentalmente cantando o “Samba do criolo doido”, composição que exemplifica toda a criatividade e humor do Sérgio Porto. Recorde quem já ouviu, conheça quem não ouviu e confira o que eu digo no http://www.youtube.com/watch?v=P-5LLSWkf-A
Stanislaw Ponte Preta viver 45 anos e este ano se completa 45 anos que ele se foi. Não vejo se falar dele, certamente não terá especial de tevê algum feito em sua memória. Resta-nos recorrer a seus livros, ouvir sua música. Em alguns sites e blogs há crônicas dele e, principalmente, frases e pensamentos, quase sempre encorpados em crítica social e temperadas com humor. Uma dessas frases, para terminar diz: “Imbecil não tem tédio.”