Arquivo do mês: novembro 2016
O lado bom da memória
O lado bom da memória
Aristóteles não era fácil, não! Foi aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande. Que figura!Recue no tempo, imagine quase 400 anos antes de Cristo vir ao mundo. Agora, concentre-se e tente visualizar um grego inquieto em relação ao mundo. Esse foi Aristóteles, que se destacou a partir de sua voraz vontade de aprender, descobrir, criar e dialogar. O que aprendia ou concebia, fazia questão de sociabilizar.
Aristóteles não se limitou a transitar por uma ou poucas áreas. Como o saber gera saber, ele se aprofundou em física, lógica, retórica, técnicas de governo, ética, metafísica, leis da poesia, drama, música e por aí afora. E sabe o que ele dizia? Que nós, os humanos, nascemos para aprender.Vivemos pelo que aprendemos. Desde que abrimos os olhos ao nascer, já no primeiro choro, é de nossa natureza buscar o saber. Experimentamos sensações, pelos cinco sentidos e vamos criando uma memória de vida, de como viver com mais conforto, de com evitar o que nos causa sensaçõesdesagradáveis.
Simplificando… Se você algum dia, mesmo que por descuido ou acidente, colocou a mão em uma penela quente, isso fica em sua memória. Em situações futuras, assim que ver uma penela quente, mesmo sem se dar conta, evitará queimar-se novamente. Por isso, só mesmo em piadas pode se imaginar uma pessoa que, ao ver uma casca de manana em uma calçada, diga: “Raios, lá vou eu me escorregar, de novo”.
Se não me falha a memória, logo em um dos meus primeiros textos postados aqui neste blog, ressaltei que a memória construída pelo verbo decorar, de forma mecânica, e que se limita a isso,não é o melhor lado da memória. Quando atuava na produção de um programa infantil de tevê, em Brasília, tive uma discussão com um pai que exigia que eu colocasse sua filha, de sete anos, e um quadro de talentos mirins. Salientava o pai, com orgulho, que a menina sabia dizer as capitais de todos os estados do Brasil. Repetir, até papagaios fazem. Esse tipo de uso de memória muito mais ligado ao adestramento, não valorizo muito.
Mário Ferreira dos Santos, um filósofo que caiu ou foi condenado ao ostracismo pela elite acadêmica brasileira, afirmava que: “A memória culta não é mecânica; é a eidética, é a das ideias.” Era nessa linha que o grego Aristóteles ia naqueles tempos remotos, sem se preocupar em agradar aos demais gregos ou a futuros goianos. O que valoriza é a capacidade de se acumular sensações, vivências, informações e fazer com que toda essa memória não exista tão somente como bagagem no porão do nosso cérebro, mas como pré-requisito para ideias novas, criações culturais, inventos, ou até forma de novas formas de lazer. Há que combinar informações, avançar, criar, fazer,transformar, gerar ideias a partir da memória.
Todo artista – entendido aqui como a pessoa que concebe uma peça de teatro, escreve um livro, pinta um quadro, compõe uma música ou produz uma escultura, faz isso a partir de suas vivências, de sua memória. Mesmo criando algo totalmente ficcional, abstrato? A resposta é sim. H. G. Wells,Ioesco, Kafka, Salvador Dali, Júlio Verne, Isaac Asimov foram extraordinários em criar algo julgado por muitos como impensável, inusitado. Mas a criatividade que gerou obras ficcionais partiu da memória. Conhecer, saber da profundidade do mar permitiu a Júlio Verne imaginar como deveria ser um meio de transporte submarino.
Por que mesmo estou falando aqui e agora em memória? Ih, esqueci. Ah, lembrei-me… Nunca o ser humano se viu tão bombardeado de informações como atualmente. O ritmo crescente da evolução tecnológica aumentará cada vez mais o acesso às informações. Haja memória! Diante disso, de forma simplista eu seria tentado a dizer que, com esse exponencial volume de informações, seríamos cada vez mais criativos, produtivos e tudo mais. Mas reluto em apostar nessa hipótese,fico com o pé atrás, prudentemente.
Todos sabemos casos de pessoas que, entram em um parque florestal e se perdem, exigindo equipes de busca para resgatá-los. Têm um manancial gigantesco de informações mas não sabem como encontrar o caminho de casa. Aristóteles, o grego filósofo, assim como seu xará milionário e que se casou com a Jacqueline, viúva do John Kennedy, ambos, em tais situações se safariam melhor.
Quando Cabral, o que foi apenas navegador há mais de 500 anos, chegou às terras ue posteriormente seriam rotuladas de Brasil, cruzava-se oceanos sem tantos instrumentos. Bússolas, a posição das estrelas no céu, lunetas. Mesmo assim se dizia que navegar era preciso. Preciso, nada! Um tremendo risco, uma louca aventura. Aí, imagino, o lado bom da memória era mais exigido e produzia melhores resultados.
Talvez por isso alimento em mim um lado quase que esquálido de aristotélico. Mais para patético do que profético, cheirando a memorialista e beirando o poético, ajo estranhamente em determinadas circunstâncias, sem a menor pompa. Atribuo a tudo isso – se é que tudo isso chegue a ser algo mensurável à luz da ciência – o hábito que adquirir de, ao chegar a qualquer lugar, como um navegador de terras firmes, grite para mim mesmo: memórias à vista!
É tempo de viralizar
É tempo de viralizar
Viralizar é um verbo bem moderno, vinculado à Internet e significa fazer com que uma mensagem se espalhe rápida e amplamente, como se fosse um vírus. Todos sonham em ser ou ter algo viralizado e, com isso, obter a fama. Para muitos, ser famoso é mais importante do que ser feliz. Embora os mais famosos, sem abrirem mão de sua fama, poderio e riqueza, sonham em viver momentos tranquilos sob confortável condição de anonimato.
Na década de 60, o cineasta, pintor e empresário americano Andy Warhol preconizou que, no futuro, todos teriam os seus 15 minutos de fama. Apesar de dizer ser profundamente superficial, o Warhol ficou famoso também pela sua frase. Só que, há mais de 50 anos, ele não poderia supor que estariam por vir meios de comunicação como a Internet, os celulares que trazem o mundo na palma de sua mão. Como imaginar os tempos de hoje e dimensionar o a agilidade, a força e alcance das redes sociais? Se vivo fosse, Andy Warhol atualizaria sua sentença afirmando que todos teríamos nossos 15 segundos de fama.
Até metade do século XX, ser famoso não era fácil. Era um status alcançado por poucos privilegiados. Em compensação, a fama era sólida, duradoura. Com o avanço dos meios de comunicação, a acesso à fama foi ficando cada vez mais fácil, dando oportunidade cada vez maiores a muitos. Hoje, quando se viraliza uma mensagem, por exemplo, focando uma menina de seis anos que executa uma peça clássica ao piano, esta se torna rapidamente famosa. Em contrapartida, a fama que se alcança hoje, bem mais fácil de ser conquistada, tem o negativo vínculo da efemeridade. Não se faz mais fama como a de antigamente, não é mesmo?
Creio que o primeiro exemplo do emprego do verbo viralizar, mesmo ainda sem ser conhecido como tal, ocorreu em 1992, quando um francês viralizou o talento de cantor mirim de seu filho Jordy, então com quatro anos. A propagação da amostra do menino cantando viabilizou o amplo sucesso do disco com Jordy cantando a música “Dur dur d’être bébé!”, algo como “É difícil ser um bebê”. O sucesso foi imediato e Jordy ficou famoso no mundo todo. Com isso, garantiu um lugar no Guinness Book por ser o cantor mais jovem a obter um sucesso amplo, a ter uma música em primeiro lugar nas paradas de sucesso. Dois anos após, o sucesso, a justiça francesa expurgou Jordy da vida artística, legando exploração comercial por parte dos pais. Quer recordar o sucesso do Jordy enquanto famoso ou ouvi-lo pela primeira vez? https://www.youtube.com/watch?v=30nQJFO2dlk
É possível viralizar na música, literatura, fotografia, pintura, dança, esporte, teatro e malabarismo e. O humor, o esdrúxulo, o exagero grotesco, estes são alguns dos caminhos fáceis para tornar viral o que se posta na Internet. Animais brincando, brigando, relacionando-se com crianças ou idosos, mensagens assim podem magicamente viralizarem. Nesta presente semana, mensagens viralizadas que me chegaram foram a do iguana tentando escapar, em louca correria, do ataque de serpentes e a do bebê fazendo beicinho e chorando de ciúmes quando o pai e a mãe trocam beijocas.
Como se viralizam cenas cruéis, estúpidas, tétricas, nauseabundas…Infelizmente há que se abrir a mensagem saber do conteúdo, já que o título pode ser enganoso. Mas sou justo em reconhecer que há mensagens que viralizam pela força positiva de um ato. Alguém que salva das enchentes um cadeirante; um cão que visita o túmulo da dona que o criava; uma criança negra que divide uma bolacha com uma criança branca ou de um transeunte que retira seu casaco e o doa a um morador de rua que treme de frio. Como é bom ver o bem viralizado. Como é triste ver boatos e falsidades serem virais.
A fama nunca foi atrativo para mim. Almejo jamais ser alcançado pelos 15 minutos de fama profetizados pelo Andy Warhol, atualizados agora com a Internet para 15 segundos. Não tenho vocação para vestir a fantasia de celebridade instantânea. Prefiro a paz de ser apenas mais um na multidão, um joão ninguém. A vantagem principal é poder desfrutar, sem ser incomodado do melhor que a vida oferece.
Sem ser foco na Internet, sem ser o famoso da vez, é possível usufruir plenamente de momentos gostosos, como o da solitária caminhada pela praia quando o dia acorda e se espreguiça em brisas e cores tênues. Em alguns momentos é preciso nos despir dos equipamentos eletrônicos, ainda que seja por algumas horas. É importante que não nos sentimos continuamente aprisionados ao passado nem visceralmente dependentes de um futuro cada vez mais tecnológico. Presentei a ti mesmo com a emoção da simplicidade. Em momentos assim o verbo viralizar é temporariamente deletado do dicionário, possibilitando vivenciar novos “velhos” momentos. É quando se conjuga, com emoção, o melhor de todos os verbos: viver.
Súplica cearense de um baiano
Súplica cearense de um baiano